domingo, 7 de junho de 2009

Perto é um lugar que não existe


Texto de Xico Sá (jornalista que dispensa apresentações), retirado do blog "O Carapuceiro" que está ao lado, na lista de recomedáveis deste espaço.



Tudo bem, tem dia que a gente acorda meio velho patético, fazer o quê, vamos em frente, e a queixa senil da semana, a blasfêmia que divido com vocês é mais ou menos a seguinte: a capacidade que as pessoas têm no momento de se comoverem com as coisas ou personagens lá de longe, bem distantes mesmo, e a injeção de anestesia que tomam para as coisas e os personagens bem de perto, ali na esquina, na porta de casa, as Susan Boyle que existem em cada rua, em cada povoado, em cada sítio, em cada vila, usina, engenho, montanha.

Não estou interessado em nenhuma teoria, em nenhuma fantasia e nem no algo mais, como diria o meu amigo Antônio Carlos GomesBelchior Fontenelle Fernandes, porém, meu velho, é muito fácil, moleza, safadeza, quase crocodilagem, chorar e prestar apoio virtual somente para o que está a milhares de léguas de nós. Há uma Susan Boyle, para voltar à modesta e simpática senhorinha inglesa, em cada quintal, em cada meia-água, em cada beco, em cada província.

Sim, traço o meu torresmo populista em público e cobro com o megafone das dores mais antigas: por que ninguém ampara mais o epilético que se debate na Conde da Boa Vista, na Afonso Penna, na Praça do Ferreira, na avenida Ipiranga, na beira do Guaíba, na praia de Iracema, no calçadão de Copacabana?

Todo mundo chora e se comove com as vítimas de bem longe e dá bananas, na República apropriada, para as Susan Boyles locais. Assim é fácil, amigo, quero ver sentir e amparar as dores a 50 metros de casa.

Sim, os personagens das dores mais próximas são todos picaretas, enganadores, querem apenas o seu dinheiro, são ladrões travestidos, gatunos em trapos, não prestam etc etc. Você, amigo, adora se comover mesmo é com as lágrimas expostas nas correntes do youtube ou no Fantástico.

Nunca foi tão fácil o choro. Quero ver é chorar pelo pai-de-família perdido no álcool debaixo do viaduto, que conta apenas com o vira-lata como divã das dores de todos os infernos possíveis. Tudo bem, tranque o vidro do carro e vá chorar em casa pela Susan Boyle, até entendo, é bem mais cômodo. Você tem que chorar por alguma dor nesse mundo e a senhorinha inglesa, explorada até o tutano pelo show de horrores, é apenas a vítima da hora.

Nunca foi tão fácil, com ou sem tragédias, comover-se pelas coisas ou personagens de bem longe. Isso não é feio, é bonito, nunca as nossas glândulas foram tão globalizadas. Seria mais lindo ainda se não estivéssemos, como jamais nessa vida, tão frios e anestesiados para os que desmaiam ou morrem na nossa frente. Nunca estivemos tão fracos no nosso próprio terreiro. Com licença da palavra, estamos uns merdas para os que sofrem ao nosso lado.

Um comentário:

Anônimo disse...

...Enquanto isso todos nós iremos dormir quentinhos, enquanto ao lado da portaria dos nossos prédios, crianças e velhos morrem de frio. POR DENTRO E POR FORA!