quarta-feira, 1 de junho de 2011

Tunando no motel

Eu vou morrer sem saber de três coisas. Por que cabras não ficam na chuva, por que mulheres só vão ao banheiro em grupo e o que leva alguém a perder todo o porta-malas de um carro para colocar um equipamento de som.

Não vou comentar as minhas primeiras indagações, pois são muito complexas e eu até já aceito e me convenço que nunca terei respostas.

Minha perturbação maior sobre seres humanos que acham legal incomodar a todos por um prazer de ouvir som nas alturas em vias públicas veio há mais ou menos 15 dias, quando estava na mais importante cidade do sertão pernambucano que faz divisa com a mais importante cidade do sertão baiano.

Jantando na margem baiana do Rio São Francisco, percebo que na mesa ao lado aproximadamente 15 pessoas, todas do sexo masculino, discutem fervorosamente sobre um único assunto. O equipamento de som dos seus carros.

Segundo o casal que me acompanhava à mesa, aquilo é muito normal naquela região inclusive em uma quarta-feira como aquela. Os caras falavam tão alto e de forma tão empolgada que foi impossível não prestar atenção nas conversa deles.

- Macho, cê precisava ver ao tuit novo que o Tininho comprou! Só o par foi uns dois mil reais!

- Véi, minha S-10 deve de tá valendo uns 12 mil, sem o som. O cara botou 50 mil nela e eu não vendi!

Enquanto o assunto da conversa era os valores das peças, dos carros, mesmo com toda vontade de aparecer deles, estava até suportável. O papo foi se prolongando e aí vieram os fatos que me deixaram mais estarrecidos. Na cidade pernambucana, como em outras Brasil afora, é proibido a execução de som alto em postos de gasolina e lugares públicos a qualquer hora do dia. Já na cidade baiana os marmanjos podem exibir seus brinquedinhos até as 22 horas.

Vim saber de tudo isso ao badalar das dez da noite quando o dono do bar pediu para o proprietário do Vectra preto com jogo de roda aro sei lá quanto e com a carroceria a 5 cm do chão para desligar o som do carro.

- Macho, vamo pro motel! Lá a gente põe o som na altura que a gente quiser dentro da garagem!

- Oxe Maninho! E pode?

- Claro que pode homem! A gente não vai tá pagando? Então! Semana passada eu fui mais o Olavo, o Reginho, o Manga, o Bomba, O Aristeu, o Walter e mais aquele menino que mora na rua do Seu Geraldo!

(PS: Outra dúvida que eu vou morrer com ela é por que as pessoas usam o artigo definido antes do substantivo próprio.)

- Oxe! Então vamo simbora!

E lá se foram os 15 cavaleiros acéfalos em suas carruagens movidas a Aviões do Forró e Jorge & Mateus.

Voltei para o hotel pensando nos pobres casais que estavam no motel para onde aquele grupo foi. Fiquei imaginando a frustração do casal no clímax do esporte sem uniforme levando um susto daqueles ao ouvir aquele barulho vindo do quarto ao lado “... Iê, Iê! Passa os dias passa as horas! Estou apaixonado...!”

Também senti pena da pobre camareira de um longínquo motel do sertão brasileiro tendo que trabalhar naquela madruga com os espelhos do teto tremendo a cada timbre grave causado pelos fones de 22 polegadas da Hilux prateada do rapaz que é dono da Lan House da cidade.

Com certeza esses caras devem ter ejaculado uns nos outros a cada decibéis a mais que puderam curtir naquela noite.

Depois esses mesmos caras reclamam porque as meninas da cidade só se interessam por homens que vem de fora.

terça-feira, 31 de maio de 2011

Tá com medo repórter?

Tinha tudo para ser um plantão normal. Se bem que nada é normal quando a pauta de um domingo a tarde é a cobertura das provas do ENEM e aquele repórter é o único da redação que está na rua naquele dia.


Cobrir qualquer prova, seja de vestibular ou concurso público, só dá trabalho no início e no fim. Sempre as perguntas óbvias. Antes da prova os velhos questionamentos sobre como foi a preparação e depois a opinião sobre a dificuldade da avaliação.


Após de entrevistar postulantes a universidade e mães aflitas sentadas nos meios-fios em frente aos locais de prova, hora de voltar para redação bater a matéria e se tudo desse certo, ainda dava tempo de ver o Fantástico só por conta da Patrícia Poeta. Mas não deu.




- Alô... Protesto... Anham... Onde? Policiais Militares... Ok!


Maldita hora em que atendeu aquele telefone. Ele sabia da regra de nunca atender o telefone quando se está fechando um texto. Pagou o preço por não respeitar as convenções.


- Zé. Tá rolando um protesto lá na BR nas imediações daquela favela que toda semana rola bronca por causa do tráfico. Mas dessa vez o rolo é por conta dos atropelamentos no local. Só hoje foram dois mortos. A comunidade fechou as duas pistas colocando fogo em pneus e o Choque já está por lá.


Passou todas as informações jurando que já tinha terminado suas obrigações com aquela denúncia até que Zé vira pra ele e informa:


- O táxi já tá lá embaixo te esperando. Assim que chegar lá, liga e a gente te coloca ao vivo no ar. Agora não demora muito não porque parar a jornada esportiva vai ser foda!


Triste, cabisbaixo e puto por cancelar seu encontro com a Patrícia Poeta, lá foi o repórter xingando até a décima quinta geração da família do Zé.


Desceu do táxi, e por conta do engarrafamento causado pelo protesto, andou cerca de 1 km até o encontro com os manifestantes. A única luz que havia no local era do fogo provocado pelos pneus. Andou, andou, andou e por conta da fumaça e da confusão, quando percebeu estava entre o protesto e o Batalhão de Choque.


- Sai daí doido! Tá achando porque é da imprensa que não leva bala não!! – O grito de um morador da favela veio junto o barulho do tiro disparado pela polícia em direção ao repórter. Aos olhos dos soldados, qualquer um que estivesse do lado de lá do escudo estava disposto a levar bala de borracha nas pernas.


- Tá com medo repórter? - Ironizou o chefe dos manifestantes.


- É lógico! Nunca ninguém atirou em mim!


- Relaxa. Essas daí machucam, mas não matam não. Já levei tiro de verdade e estou aqui contando a história.


- Ok! Posso te entrevistar? A gente entra ao vivo na rádio agora e você faz todas as reivindicações e fala como está aqui a situação do local.


- Tá maluco repórter? Tô fugindo de umas paradas aí. E se dou entrevista todo mundo vai saber onde eu to e neginho pode querer armar uma cocó pra mim! Fala ali com a Tia Neusa que ela é a líder comunitária.


BUMMMMMM!!!!!! (Bomba de gás lacrimogênio) Fumaça para todo o lado. Todo mundo corre para dentro dos becos da favela, inclusive o repórter.


Agachado, por trás de um poste, ofegante e com as mãos trêmulas o repórter entra no ar. Tia Neusa fala dos 13 atropelamentos só naquele mês, pede que a lombada eletrônica do local seja religada, fala que a polícia está sendo arbitrária com os manifestantes e não relata as pedras e coquetéis molotov lançados pelos vizinhos.


Depois da entrevista o repórter conseguiu sair pelo outro lado da favela acompanhado por alguns traficantes que garantiram a sua integridade física durante o trajeto nas vielas com esgoto a céu aberto e sem iluminação.


Nos 25 minutos de espera até que o taxista o encontra-se, o telefone tocou.


- Muito boa a entrevista. Deu até para ouvir os tiros enquanto você entrevistava aquela senhora. O secretário de segurança vai entrar no ar dentro de instantes para explicar a atuação do Batalhão de Choque nesse protesto. Parabéns!


Todo jornalista sabe que é muito estranho receber elogios. Ainda mais de forma tão rápida. Mas o Zé não tinha terminado a ligação.


- ... Mas porra, tu tava muito ofegante. A voz tava trêmula... Tava com medo viadinho...hehehhehe!