terça-feira, 31 de maio de 2011

Tá com medo repórter?

Tinha tudo para ser um plantão normal. Se bem que nada é normal quando a pauta de um domingo a tarde é a cobertura das provas do ENEM e aquele repórter é o único da redação que está na rua naquele dia.


Cobrir qualquer prova, seja de vestibular ou concurso público, só dá trabalho no início e no fim. Sempre as perguntas óbvias. Antes da prova os velhos questionamentos sobre como foi a preparação e depois a opinião sobre a dificuldade da avaliação.


Após de entrevistar postulantes a universidade e mães aflitas sentadas nos meios-fios em frente aos locais de prova, hora de voltar para redação bater a matéria e se tudo desse certo, ainda dava tempo de ver o Fantástico só por conta da Patrícia Poeta. Mas não deu.




- Alô... Protesto... Anham... Onde? Policiais Militares... Ok!


Maldita hora em que atendeu aquele telefone. Ele sabia da regra de nunca atender o telefone quando se está fechando um texto. Pagou o preço por não respeitar as convenções.


- Zé. Tá rolando um protesto lá na BR nas imediações daquela favela que toda semana rola bronca por causa do tráfico. Mas dessa vez o rolo é por conta dos atropelamentos no local. Só hoje foram dois mortos. A comunidade fechou as duas pistas colocando fogo em pneus e o Choque já está por lá.


Passou todas as informações jurando que já tinha terminado suas obrigações com aquela denúncia até que Zé vira pra ele e informa:


- O táxi já tá lá embaixo te esperando. Assim que chegar lá, liga e a gente te coloca ao vivo no ar. Agora não demora muito não porque parar a jornada esportiva vai ser foda!


Triste, cabisbaixo e puto por cancelar seu encontro com a Patrícia Poeta, lá foi o repórter xingando até a décima quinta geração da família do Zé.


Desceu do táxi, e por conta do engarrafamento causado pelo protesto, andou cerca de 1 km até o encontro com os manifestantes. A única luz que havia no local era do fogo provocado pelos pneus. Andou, andou, andou e por conta da fumaça e da confusão, quando percebeu estava entre o protesto e o Batalhão de Choque.


- Sai daí doido! Tá achando porque é da imprensa que não leva bala não!! – O grito de um morador da favela veio junto o barulho do tiro disparado pela polícia em direção ao repórter. Aos olhos dos soldados, qualquer um que estivesse do lado de lá do escudo estava disposto a levar bala de borracha nas pernas.


- Tá com medo repórter? - Ironizou o chefe dos manifestantes.


- É lógico! Nunca ninguém atirou em mim!


- Relaxa. Essas daí machucam, mas não matam não. Já levei tiro de verdade e estou aqui contando a história.


- Ok! Posso te entrevistar? A gente entra ao vivo na rádio agora e você faz todas as reivindicações e fala como está aqui a situação do local.


- Tá maluco repórter? Tô fugindo de umas paradas aí. E se dou entrevista todo mundo vai saber onde eu to e neginho pode querer armar uma cocó pra mim! Fala ali com a Tia Neusa que ela é a líder comunitária.


BUMMMMMM!!!!!! (Bomba de gás lacrimogênio) Fumaça para todo o lado. Todo mundo corre para dentro dos becos da favela, inclusive o repórter.


Agachado, por trás de um poste, ofegante e com as mãos trêmulas o repórter entra no ar. Tia Neusa fala dos 13 atropelamentos só naquele mês, pede que a lombada eletrônica do local seja religada, fala que a polícia está sendo arbitrária com os manifestantes e não relata as pedras e coquetéis molotov lançados pelos vizinhos.


Depois da entrevista o repórter conseguiu sair pelo outro lado da favela acompanhado por alguns traficantes que garantiram a sua integridade física durante o trajeto nas vielas com esgoto a céu aberto e sem iluminação.


Nos 25 minutos de espera até que o taxista o encontra-se, o telefone tocou.


- Muito boa a entrevista. Deu até para ouvir os tiros enquanto você entrevistava aquela senhora. O secretário de segurança vai entrar no ar dentro de instantes para explicar a atuação do Batalhão de Choque nesse protesto. Parabéns!


Todo jornalista sabe que é muito estranho receber elogios. Ainda mais de forma tão rápida. Mas o Zé não tinha terminado a ligação.


- ... Mas porra, tu tava muito ofegante. A voz tava trêmula... Tava com medo viadinho...hehehhehe!