sábado, 6 de fevereiro de 2010

O elogio vem de onde menos se espera


Uma das coisas mais legais (ou não) em ser repórter de rádio é que você não setorizado.

Tanto faz em um dia você está entrevistando um ministro de Estado, um jogador de futebol, como no outro está dentro de uma favela conversando com pessoas que perderam tudo na última enchente.

Mas uma das coisas que faço por ser parte do ofício são as matérias que envolvem polícia, delegacia e crimes banais. Em muitas vezes histórias hilariantes podem acontecer em um distrito policial.

Certa vez seguia a pauta tranquilamente em uma bela tarde de sol da capital pernambucana, eis que de repente o celular toca e vejo que é da redação da rádio. Penso: “A pauta virou!”

Nada de muito extraordinário. Em uma ação de fim de ano, a Fiscalização de Comércio Popular, o famoso Rapa, fazia mais uma ação para inibir a venda ilegal de produtos nas ruas do centro do Recife, quando um dos ambulantes reagiu contra os homens da prefeitura e o pau comeu.

Como já diria Bezerra da Silva, “Sururu formado”, todos para delegacia dar explicações ao senhor delegado.

Do lado fora da delegacia fui recepcionado por olhares desconfiadíssimos dos quatros homens do Rapa. Lá dentro, mos dois PM’s faziam o boleteim da ocorrência. Ninguém da imprensa no local... Destino primeiro andar para falar com o delega.

A porta entreaberta da sala do comandante máximo daquele recinto foi um convite a adentrar o espaço.

- Ih rapaz, vocês da rádio de novo aqui! – falou meio injuriado, o delegado que não tem fama de ser muito cortês com jornalistas, porém nunca teve nenhum problema com o repórter magricelo que estava em sua frente – o que foi dessa vez?

- Tá sabendo não doutor? – questionei – confusão lá no centro com os camelôs.

- Nada! Isso foi besteira. Quando o Rapa chegou lá ele quis dá uma de valente, levou uma surra e daqui a pouco vou ouvir o que ele tem a dizer. Enquanto isso pode ir lá embaixo falar com ele.

Como sugerido, lá vou eu com maior sentimento de Severino de Aracajú (cangaceiro do filme O Auto da Compadecida, da célebre frase “Mato, mas não gosto!) entrevistar o acusado.

Uma das coisas que mais odeio é ter que conversar com bandido, que na maioria das vezes, acha que jornalista é otário e mente na cara de pau sabendo que você não acredita em uma só palavra do que ele diz.
Pensando eu que iria achar um cara com o maior jeito de bandido, encontro um indivíduo albino, de no máximo 1,60 m, com um corte na boca e outro nos pés.

Mal me aproximei e ele já foi falando com uma voz embargado de choro.

- Mermão, safadeza o que fizeram comigo. To lá na minha trabalhando os caras chega e quebra meu isopor.

- O que é que você vendia lá no centro?

- Pipoca e água mineral, mas os caras já chegaram quebrando tudo. Eu sou trabalhador tenho que levar meu pão pra casa.

- Certo. Segundo a polícia você reagiu e ameaçou o pessoal da prefeitura com uma faca.

- Reagir quando comecei a apanhar.

- E por que você estava com uma faca?

- Eu uso pra quebra o gelo no isopor.

- Sei, você já foi preso uma vez, não foi?

- Foi. Passei um ano fechado.

- Por quê?

- Disseram que eu roubei a casa da mulher, mas eu não roubei não.

- Tu usa droga?

- O que é que isso tem haver?

- Nada. É porque tu ta com o olho meio vermelho, mas só curiosidade mesmo.

- Dou uma bola, né véi, mas num sou aviciado não.

- Certo. Quer dizer mais alguma coisa?

- Sou inocente, trabalhador. Sou ladrão não e não devo nada pra ninguém.

Depois, ainda entrevistei o pessoal da prefeitura que contaram, exatamente, a mesma história que já tinha ouvido do delgado e fui embora sabendo que aquilo dali não iria dar em muita coisa.

Aproximadamente um mês e meio depois do ocorrido, estou eu em mais uma noite na parada do ônibus esperando o coletivo para voltar para casa quando de longe vejo o homenzinho sem pigmentação na pele com uma caixa dde isopor embaixo dos braços.
Após um breve aceno de cabeça correspondido ele se aproxima e diz.

- Queriam armar uma cocó pra cima de mim naquele dia.

- E aí, ddeu em quê aquela história – perguntei.

- Fizeram um tal de TCO (Termo Circunstancial de Ocorrência) lá, e depois eu lavrei.

- Sei. Bom para você, né?

Nos longos quinze minutos que se passaram até o meu ônibus passar, o pequenino albino me contou boa parte da sua história, que mora na rua desde pequeno, mas nunca pegou nada de ninguém. Que conhece muita gente ruim, já presenciou várias coisas e até da morte já escapou várias vezes.

O tom alto que ele contava todas as odisséias chamava a atenção das várias pessoas que estavam no ponto do ônibus, o que me deixava de certa forma desconfortável.

- Lá vem meu ônibus, boa sorte aí nas vendas.

- Então repórter! Vai lá que tu é a maior limpeza! – Bradou o baixinho.